terça-feira, abril 11, 2006

Desinteresse


Acordou, olhou para o teto, como há muito não fazia, e começou a lhe reparar as irregularidades da textura. Ficou imaginando o esforço do pedreiro no processo de construção para que as paredes ficassem lisas ao máximo. Pedreiro sabe das coisas... Não se pode nada contra a irregularidade, ele a aceita como se aceita um beijo - fica sorrindo.
Ainda olhando para o teto, perguntou-se se alguém havia sentido isso da mesma forma. Um "talvez" malicioso foi sussurrado ao seu ouvido (é, tinha alguém ao seu lado lhe fazendo carinho e tentando chegar ao mesmo ponto em que se encontrava). No teto, começaram a aparecer algumas bolhas, como se a tinta ainda úmida estivesse sendo atingida pela água que vazava do apartamento de cima. As bolhas começaram a se espalhar por todo o quarto e, olhando para o seu lado, a pessoa que sussurrou não estava mais. Olhos para o teto de novo e, como que a partir de um delírio, ondas se formaram.... o teto estava efervescendo.... A regularidade disse "tchau" e o pedreiro, como um guru disse: "não se sente nada da mesma forma que o outro; essa ilusão só torna mais sólidos os juízos... eles te delimitam, tente escapar deles...." O teto caiu como água jogada de um balde. Molhado de teto, tentou traduzir aquilo tudo... queria a regularidade de volta, queria uma representação racional para aquilo... Tudo era forte demais e pequeno demais e longe demais.... ele não estava mais ali, senão a quilômetros de distância, bem perto de si mesmo.
O espírito da vida é desinteressado... está pouco se fudendo para o reto.
Quadro "Galatea of the Spheres", Salvador Dalí, 1952.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Realmente não podemos nada contra a irregularidade. Graças a Deus! Se não ela, quem daria o relevo à nossa vida?

Parei um pouco e reduzi a marcha ao ler o post, quando percebi que há tempos sequer olhava para o teto de tão cansada.

P.S.: Adorei o "molhado de teto"

9:06 PM  
Anonymous Anônimo said...

Pensei de imediato que era a regularidade que sempre me incomodava. Estranha sensação.
Também achei bonito o "molhado de teto".
Um beijo.

10:50 PM  
Anonymous Anônimo said...

Essa é a tela de Dali que eu mais amo.
E gostei do texto.

Beijos.

1:19 AM  

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