A vida e seus presentes

Você acorda pensando-rezando-orando-suplicando para que o dia lhe seja razoável? Ou então, ansioso por algum motivo, torce-espera-suplica para que tudo corra bem? Você acorda pensando no presente que a vida lhe reserva? Bom, pergunto isso pois, provavelmente, seus pais, avós, tios e tantos outros devem ter falado um dia que a vida é repleta de presentes e que você só precisa estar atento para recebê-los com os braços abertos e um sorriso estampado no rosto... É, todos nós suplicamos por algo, principalmente pelos presentes.

Suplicamos de maneiras diferentes, claro. Algumas pessoas madrugam, vão ao calçadão, fazem sua atividade física-saúde do dia e depois vão para o trabalho; outras madrugam, vão à padaria, compram jornal e informam a família que é preciso tomar cuidado pois a violência está assustadora e que instauraram mais uma CPI; há aquelas que madrugam, preparam o café e a roupa das crianças, levam-nas para a escola e vão para o trabalho - seja numa empresa ou em casa; muitas pessoas madrugam para ir à praia, "pegar um bronze" e mostrar sua saudável cor... Querem exigir algo de Alguém só porque acreditam fazer as coisas certas. - Ah, outra coisa que seus pais, avós, tios e tantos outros já disseram: "Na vida, faça sempre a coisa certa!". - Aprendemos muito bem tudo isso pois, normalmente, sorrimos para os outros com nossos corações cheios de bondade e humanidade, ajudamos os que necessitam, fazemos trabalhos voluntários - e tudo isso pensando no fazer-a-coisa-certa, não é? Eu sei que você resopndeu "É". Nós somos todos lindos, limpos, eduacados, polidos e contidos em nossos comentários - afinal, esforçamo-nos ao máximo para sermos arrebatados por nossa áurea vida-certa. Com certeza você vai concordar: é mais fácil ser um santo do que uma pessoa...

Calma, por que o susto? Só porque agora te pareceu que essa nossa vida sadia, bonita e cheirosa, que visa à santidade, é um modo louco de se viver? E que quando você suplica para a vida lhe ser favorável é só um pedido para que ela seja mais fácil? Ah, e que você quer isso só para si? Só por isso?

E você ainda procura resolver suas coisas do modo mais viável, pensando que viável é um Bem... E você ainda insiste em colocar BomAr em todos os seus dias só para não sentir o cheiro de fumaça... E vai continuar a insistir pois você é "O maior milagre do mundo" e "O sucesso é ser feliz" (títulos de auto-ajuda)... Tem como esquecer disso?

É incrível que isso seja querer viver... Pessimismo?

Lou Andreas-Salomé (mulher pela qual todos os grandes homens da Europa do século XIX foram apaixonados) escreveu o seguinte: "Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! Ouse, ouse tudo!!!".

Salte inteiro no belo escuro profundo - de cabeça, de preferência... Ah, ou a prudência da vida-certa vai fazer você se preocupar em ver se nessa piscina tem água?

The Felipe Theory

Meus caros amigos, há alguns dias tenho me reconhecido, coisa que há mais de dois anos não era possível. Não acredito que seja um reconhecimento "da minha pessoa", "de mim, enquanto ser humano" e dessas falas de si em terceira pessoa, é apenas a conseqüência de algo com me aconteceu há alguns dias, rapidamente: entrei no banheiro e após o incomodo estético habitual senti uma coisa familiar em mim. Então, está de volta o

The Felipe Theory.

Desconforto

Pois é, dia sem trabalho remunerado. Dia inteiro em casa estudando, lendo e escutando música... O que algumas pessoas podem dizer de uma dia como esse é que tive um "dia livre", de folga. Em alguns momentos cheguei a concordar com essa tal "liberdade" desse meu dia - o que, confesso, me deixou bastante agoniando pois não queria "fazer nada" hoje, não hoje... Senti saudades de coisas e de pessoas... senti medo também... Comecei a angariar motivos para transformar esse "dia livre". Bom, dia inteiro em casa estudando, lendo e escutando música... dia de trabalh-pensando... Comecei a construir pensamentos sobre questões que me são atuais há muito. Comento, aqui, sobre uma delas: a palavra "vazão" tem me assediado e eu não sei o que fazer com isso. Às vezes fico extasiado com o desconforto gerado, sinto-me reconfortado... Paradoxo que sinto e que esbarra em mim, por todo o meu corpo... "Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito" ("Água viva", de Clarice Lispector). Quisera eu me desnudar e conseguir me deixar vazar de maneira monstruosa para que o impedimento de tal vazão deixasse de ter razão e me deixasse evolar-gritar e me deixasse ser apenas ar...

Como conseguir isso com todo o aparato orgânico-moral/fisiológico-social que me constitui, que me privilegia e me impede? É, Artaud poderia conversar com a Clarice sobre o corpo-sem-órgãos (ia ser muito foda!).

Pois muito bem, o paradoxo continua e vai continuar e eu vou continuar me extasiando com ele por um bom tempo... Não sei se é maturidade, se é capacidade ou se é simplesmente coragem o que eu preciso para extrapolar esse êxtase - é isso mesmo, quero extrapolar o êxtase, quero achar a brecha para a vazão, quero achar a mini-rachadura na comporta para que ela não consiga conter a água (viva) e, com isso, fazer arrebentar... Em meio a tudo isso, vou tentando sambar do jeito que der...

Sinto-me agradecido pelo fato de as letras que me sobraram na palma da mão - pois a maioria das palavras escorreram por entre meus dedos no início, no momento em que eu queria fazer-lhes carinho - terem se submetido à minha ansiedade e terem se dado de presente. Em sinal de gratidão, coloquei-as na ordem que consegui (me) encontrar...

Bom, dia inteiro em casa estudando, lendo e escutando música... dia de trabalho dobrado.

o samba é mais

Tem mais samba no encontro que na espera
Tem mais samba a maldade que a ferida
Tem mais samba no porto que na vela
Tem mais samba o perdao que a despedida
Tem mais samba nas mãos do que nos olhos
Tem mais samba no homem que tabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer

Vem que passa
Teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver

Chico Buarque

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esse post não é pra adrenar o felipe... na verdade concordo com o cara, mas ainda tem algo de esperança em mim.

Como pode alguem não gostar de Samba, né??

Esse país é uma maravilha, além do samba, tema de nosso blog, temos o melhor e mais refinado humor do mundo, ao contrario do que dizem, o mais accessível. Nada é mais belo e debochado do que o nosso Rei Momo Roberto Jefferson. Como sou um brasileiro feliz, que remelexo ao som das cuícas, acordo, dou bom dia ao dia, que toca uma marchinha getulista na vitrola da trilha sonora da vida, ligo minha televisão e vejo esse humorista falando de suas rodas de samba congressistas, da tradição política desse país, de atos mal planejados de vereadoras de novos municípios em clubes de carnaval na manchete, tão saudosos quanto a picardia viril das ereções da velha guarda frente ao sambar das mulatas. Quem não as morderia a bunda?? Esse país é lindo. Onde mais desempregados passariam as tardes vendo os jurados dando notas pelas baianas com a mesma tensão deslocada da vida real que se vê Robertinho Jefferson, nosso herói, nosso estandarte de moralidade e patriotismo? Nesse país aquela amoralidade marota que nos motiva a valorizar alguns belos filmes americanos, aquela amoralidade felina, é menos realista que a forma como todos nós, sambistas, sabemos que empresas de publicidade lavam dinheiro, que campanha é financiada por caixa dois para receber em troca favorecimento em licitações. Sabemos disso por dois motivos: 1) Sonegar impostos é prática de sobrevivência, assim como isopor de latinha de cerveja e papel higiênico no Sambão do Povo. 2) Ninguém doa nada de graça. Antes falei que odiava o Samba. Retiro o que disse. Eu o amo. Não apenas o amo como valorizo suas ramificações: o jogo do bicho, o tráfico bairrista, o vereador ex-lider comunitário, o chefe do partido liberal, trabalhista, evangélico, cristão, as empresas de propaganda, de pesquisa, os deputados, e por ai vai. São esses todos os brasileiros, como eu, de sapato branco e camisa listrada. Esse país funciona, e bem, pela total falta de vergonha, seriedade, decência, honestidade, moralidade, justiça. Quer coisa melhor? E se vossa senhoria for uma mulata, não passe na minha frente que eu mordo.

Samba da Despedida ou Samba da Dor

Há cortes demais nesse amor
Há feridas e rancor

Não conseguimos porque não
Nos maltratamos mesmo sem querer

Não te ouvi gritar
Não me viu chorar

Não te vi quando gritava
Não me ouviu quando chorava

Da minha tristeza fiz um samba torto e frágil.
De lágrimas fiz minha máscara de pierrot
Mas não pode aceitar meu lirismo

Porque perdemos o compasso
Perdemos o tempo e tropeçamos
A música continuou e a gente no chão

E tocou mais alto um outro samba
Um samba da Despedida, um Samba de Dor.

Mas quem sabe uma noite
Em algum lugar dessa vida
Nosso Samba volte a tocar
Em cadência certa e ritmada
E volte a levantar a bandeira de nossa escola
E possa ser eu de novo teu passista
Porque se o hoje é de Despedida
O amanhã pode ser de Esperança
Se hoje a despedida é dor
Amanhã a esperança pode ser alegria

Mas hoje sou pierrot sem maquiagem
Minha mascara é só lagrima.

"Não, eu não sambo mas em vão
meu samba tem cordão
o meu bloco tem sem ter
e ainda assim
sambo bem a dois por mim
bambo e só mas sambo sim
sambo por gostar de alguém
gostar deme lavra a alma
me leva embora
deixa ver samba no peito de quem"

O Samba vai Além

Pelo Minidicionário Aurélio, “Samba: 1) Dança cantada, de origem africana, compasso binário e acompanhamento sincopado. 2)A música dessa dança.”
Por que colocar um estilo musical em um título de blog? Vão ser discutidas as novas tendências dentro desse gênero? Vamos expor letras de alguns sambas para apreciação de nossos visitantes? Vamos fazer críticas de álbuns de samba?^Desenvolver idéias “Estudando o Samba”, para usar o t´[itulo do álbum de Tom Zé (1975)?
Bom, na verdade, nossa intenção, pelo menos a priori, não é discutir arranjos ou letras de samba, mas propor um uso do termo (“samba”) de modo a experimentar uma ampliação – já conferida por artistas e pensadores – no dicionário consultado, que parece restringir tal ritmo da emoção de se viver o samba.
“Samba”, aqui, ultrapassa a denominação de um gênero, - é a palavra que compõe variações de verbos já existentes: sorrir-samba, sofrer-samba, viver-samba, sambamar. “Sambar” não é só um ato de dançar o estilo samba, assim com “Sambista” não é só quem escreve, canta ou toca instrumentos em um grupo de samba. “Samba” não é pagode!
Samba-se por vários motivos: samba-se por cerveja, por jogo de futebol e por discussões filosóficas, por sexo, por poesia e por escrita em prosa, por dificuldades, por amores “achados” e “perdidos” e por nossas amizades... samba-se pelo passado, pelo presente, pelo futuro. Samba-se pelo simples fato de sentirmos na alma, de sentirmos o ato (samba é ato e é fato), mas ele ainda vai além...
Investigamos esse tal samba? Não, não nos atrevemos a dizer do que ele é feito... Abrindo o peito para senti-lo abrimos espaço para vivê-lo – esse tal imperscrutável-samba...
Hoje ele saiu procurando...