segunda-feira, novembro 27, 2006

Todas as Opiniões


Todas as opiniões que há sobre a Natureza
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor.
Toda a sabedoria a respeito das cousas
Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas;
Se a ciência quer ser verdadeira,
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?
Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.

Poema de Alberto Caeiro
Pintura: "La méridienne ou La sieste", de Vincent van Gogh.

quinta-feira, novembro 09, 2006

VIDA

O baque da cadeira contra o chão esparramou as entranhas da barata. Seus órgãos indistinguíveis se misturavam às patas traseiras e pedaços de seu abdome. Ela se remexia num desespero silencioso.
Sua dor era gritante e muda.
Me surpreendi com o que tinha feito, me senti até culpado, por mais ridículo que possa parecer.
A barata ficou imóvel.
Me senti aliviado por sua morte, pelo fim de sua agonia.
Peguei um guardanapo e joguei sobre seu cadáver, por mais ridículo, ainda, que isso possa parecer.
Quando voltei meu olhar de novo ao chão, pouco depois, descobri que a tal criatura não estava nada morta. Sem metade do corpo a barata se virou e com as duas patas da frente e uma outra pata quebrada ela se afastava de sua metade morta. Ia de encontro ao tempo, dilacerada, rumo ao escuro, insistindo na vida.

-escrito em 30 de Agosto de 2005