sábado, abril 29, 2006

Sileno


"Não te afastes daqui sem primeito ouvir o que a sabeodira popular dos gregos tem a contar sobre essa mesma vida que se estende diante de ti com tão inexplicável serenojovialidade. Reza a antiga lenda que o rei Midas perseguiu na floresta, durante longo tempo, sem conseguir capturá-lo, o sábio Sileno, o companheiro de Dionísio. Quando, por fim, ele veio a cair em suas mãos, perguntou-lhe o rei qual dentre as coisas era a melhor e a mais preferível para o homem. Obstinado e imóvel, o demônio calava-se; até que, forçado pelo rei prorrompeu finalmente, por entre um riso amarelo, nestas palavras: - Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer".
In: NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Tradução, notas e posfácio de J. Guinsburg.
Escultura: Sileno con il piccolo Dioniso.

domingo, abril 23, 2006

...


Quem tem um cérebro, que se jogue no chão... Quem acredita no conteúdo cerebral, que cave o chão... Quem acredita em seu poder que sinta o corpo, prove o corpo... Equilíbrio? É o que se procura... Equilíbrio... E se não fosse a música? E se não fosse o que ela primeiro toca, antes de se tentar seguir ou entender a letra? O cérebro auxilia na captação do exterior, mas são os ombros e as pernas que querem se encolher ou o peito que quer explodir, ou ainda a mão que quer acariciar ou a boca que quer escarrar.... Quem tem um cérebro, que se jogue no chão, simplesmente porque tê-lo degrada, simplesmente porque pensá-lo engana, simplesmente porque acreditá-lo mata... Infelizmente, esse tom imperativo não é para poucos – eu estou aqui também...
(sempre reticências...)

quinta-feira, abril 20, 2006

Das chuvas que caem ou Dos maremotos desejosos de vida


Que chova, para que tudo aconteça! Água que cai e corre e corre e corre... Olhando para cima, abro minha boca.... Quero a tempestade como se quer o mundo inteiro de uma vez só... Entendo o espírito das reticências... Nelas cabem um temporal... Quero um temporal pesado com suas nuvens negras e relampejantes. A chuva molha-estimula-prende-socorre-solta-cobre-lava-solta-liberta-cobra-suga-intriga-sustenta-leva-borra-paga-inunda-planta-transborda-afoga-liva-invade-choca-acende-costura-alimenta-lova-é-vê-toca-prejudica-prega-insiste-vence-luva...
Ela sempre vence.

domingo, abril 16, 2006

Fora




Algumas vezes a realidade do diaadia, tão cristalizada e homogênea, se dissolve.
Tal qual um diagrama deleuziano, o fora se mistura e cria uma nova forma, novos contornos ao tempo da vida.
A criação de um novo, não somente novo contrariando Schopenhauer, mas uma amalgama do vivido com o que se apresenta no estalo do momento.
É bom recuperar, inventar outro tempo. Em outra cidade, com velhos amigos.
Um novo-antigo Eu.
Abraços...

E ASSIM EM NÍNIVE (1908-10, de Ezra Pound)

"Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.

"Veja! não cabe a mim Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto. E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou poeta e sobre minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.

"Não é, Raana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros.
É que eu Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho."
(tradução de Augusto de Campos)

terça-feira, abril 11, 2006

Desinteresse


Acordou, olhou para o teto, como há muito não fazia, e começou a lhe reparar as irregularidades da textura. Ficou imaginando o esforço do pedreiro no processo de construção para que as paredes ficassem lisas ao máximo. Pedreiro sabe das coisas... Não se pode nada contra a irregularidade, ele a aceita como se aceita um beijo - fica sorrindo.
Ainda olhando para o teto, perguntou-se se alguém havia sentido isso da mesma forma. Um "talvez" malicioso foi sussurrado ao seu ouvido (é, tinha alguém ao seu lado lhe fazendo carinho e tentando chegar ao mesmo ponto em que se encontrava). No teto, começaram a aparecer algumas bolhas, como se a tinta ainda úmida estivesse sendo atingida pela água que vazava do apartamento de cima. As bolhas começaram a se espalhar por todo o quarto e, olhando para o seu lado, a pessoa que sussurrou não estava mais. Olhos para o teto de novo e, como que a partir de um delírio, ondas se formaram.... o teto estava efervescendo.... A regularidade disse "tchau" e o pedreiro, como um guru disse: "não se sente nada da mesma forma que o outro; essa ilusão só torna mais sólidos os juízos... eles te delimitam, tente escapar deles...." O teto caiu como água jogada de um balde. Molhado de teto, tentou traduzir aquilo tudo... queria a regularidade de volta, queria uma representação racional para aquilo... Tudo era forte demais e pequeno demais e longe demais.... ele não estava mais ali, senão a quilômetros de distância, bem perto de si mesmo.
O espírito da vida é desinteressado... está pouco se fudendo para o reto.
Quadro "Galatea of the Spheres", Salvador Dalí, 1952.

sábado, abril 01, 2006

um bom tempo atrás um amigo meu me mostrou um poema...

Os Imortais

Dos vales terrenos
chega até nós o anseio da vida: impulso desordenado, ébria exuberância,
sangrento aroma de repastos fúnebres.

São espasmos de gozo, ambições sem termo,
mãos de assassinos, de usuários, de santos,
o enxame humano fustigado pela angústia e o prazer.
Lança vapores asfixiantes e pútridos, crus e cálidos,
respira beatitude e ânsia insopitada,
devora-se a si mesmo para depois se vomitar

Manobra a guerra e faz surgir as artes puras,
adorna as ilusões a casa do pecado,
arrasta-se, consome-se, prostitui-se todo
nas alegrias de seu mundo infantil;
ergue-se em ondas ao encalço de qualquer novidade
para de novo retombar na lama.

Já nós vivemos
no gelo etéreo transluminado de estrelas:
não conhecemos os dias nem as horas,
não temos sexos nem idades.
Vossos pecados e angústias,
vssos crimes e lascivos gozos,
so para nós um espetáculo como girar de sóis.
Cda dia é para nós o mais longo.
Debruçados tranqüilos sobre nossas vidas,
cntemplamos serenos as estrelas que giram,
rspiramos o inverno do mundo sideral;
somos amigos do dragão celeste:
fria e imutável é a nossa eterna essência,
frígido e astral o nosso eterno riso.